É preciso focar na equidade de gênero e na formação humana
Josane Julião
Reitora da Hamburger University na América Latina
Todo ano, em especial na última década, o Mês da Mulher é o período marcado por reflexões e debates mais profundos sobre a urgência da participação feminina nos espaços da sociedade, sobretudo no mercado de trabalho. Há muito por fazer para que se alcance a equidade de gênero no mundo corporativo, em particular no Brasil. As desigualdades entre homens e mulheres no país se refletem em números como a assimetria salarial. Segundo levantamento da consultoria IDados, com base na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as mulheres ganham em média 20% a menos que os homens.
Não só na assimetria salarial, mas no próprio espaço ocupado no mercado de trabalho também se verifica a longa caminhada que a igualdade de gênero ainda tem à frente. Pesquisa da FGV (Fundação Getúlio Vargas), também com base na Pnad, mostra que, no ano passado, a taxa de participação feminina no mercado de trabalho ficou em 51,56%. Para se ter uma ideia, em 2012 essa participação estava em 51,58%. É como se, em quase uma década depois, a situação das mulheres em nada tivesse mudado. Já os homens tinham participação de 71,64%. Nada menos que 20 pontos percentuais de distância.
Se incluirmos na equação os níveis educacionais, o quadro piora. Para mulheres com apenas o ensino médio completo, a taxa de desemprego no ano passado ficou em 19,04%, contra 10,97% em 2012 – quase dobrou no período. No caso dos homens, a taxa passou de 6,34% para 11,63% – também um avanço considerável, mas ainda assim muito inferior. Segundo a FGV, a crise causada pela pandemia explica em parte a piora dos dados, mas os números de quase dez anos atrás mostram que a desigualdade é muito mais enraizada do que se possa supor.
Tampouco serve de algum consolo saber que a desigualdade entre mulheres e homens não é privilégio do Brasil. O relatório WBL (Mulheres, Empresas e o Direito, na sigla em inglês), divulgado no início de março pelo Banco Mundial, diz que 2,4 bilhões de mulheres não têm direitos econômicos comuns aos homens. Além disso: 178 países têm barreiras legais contra a participação econômica plena delas; em 86 há alguma restrição à participação feminina no mercado de trabalho; e em 95 não há garantia de que igual trabalho terá igual remuneração para ambos os gêneros.São números que assustam e, mais ainda, revoltam. Que, passado já quase um quarto do século 21, as mulheres ainda enfrentem condições que já estavam presentes nas décadas de 1960 e 1970, mostra que a luta por nivelar o campo entre homens e mulheres será trabalho para mais gerações.
Mas não se pretende aqui fazer um triste inventário das lutas ainda por serem vencidas pelas mulheres. É preciso reconhecer que, embora a desigualdade seja ainda a norma, houve avanços. Há empresas que já entenderam que dar a mulheres e homens o tratamento digno e igualitário no trabalho é o certo a fazer. A Arcos Dorados, empresa que opera os restaurantes McDonald’s em 20 países da América Latina e Caribe, desde seu início acredita ser fundamental priorizar a questão de gênero dentro da gestão e do desenvolvimento de pessoas. Há quatro anos, a empresa criou o “Somos”, o Comitê de Diversidade & Inclusão, que tem o objetivo de gerar uma cultura de trabalho que motive as pessoas a alcançar eu máximo potencial, independentemente de gênero, raça, idade, orientação sexual ou qualquer outra característica.
Desde então, entre outras conquistas, conseguiu elevar a quantidade de promoções de mulheres, baseadas na meritocracia apenas. Em 2021, por exemplo, as mulheres representaram 52% de todas as promoções a cargos de liderança concedidas pela companhia no Brasil e, se incluídas no cálculo todas as ascensões, chega-se a 60%.
A Arcos também implementou a Rede de Mulheres, grupo que desenvolve práticas de igualdade diante das oportunidades, além de ações afirmativas, com busca na visibilidade dos talentos femininos dentro da empresa. Eu posso incluir-me na trajetória da companhia, comecei como atendente aos 16 anos em um restaurante em São Paulo, e pouco tempo depois estava prestes a me tornar mãe. Fui beneficiada com acompanhamento pré-natal de qualidade, escala flexível de trabalho e nunca fui excluída de promoções internas. Tornei-me coordenadora de Marketing e, em 2011, comecei minha carreira na Hamburger University (braço de educação corporativa da Arcos Dorados) – primeiro como Coordenadora Professora e, no ano passado, realizei um sonho: tornei-me a reitora de uma das mais prestigiadas universidades corporativas em âmbito global.
Minha história, claro, em nada atenua o quadro que os dados citados mais acima fazem ver. Ela apenas sinaliza que, sim é possível receber a mulher no mundo do trabalho da mesma forma que os homens, gerando valor e contribuindo para os objetivos estabelecidos.
Também não se pode deixar de abordar a questão do acesso à especialização e à capacitação profissional. Só no ano passado, a Hamburger University emitiu mais de 6 mil certificados e ofereceu cursos abertos a 22 mil jovens da América Latina, em sua grande maioria mulheres. Foram mais de 64 mil horas em aulas de habilidades de liderança e de desenvolvimento de carreira na região ao longo do último ano, e quase 3 mil horas de formação sobre vieses inconscientes, com mais de 5,7 mil pessoas graduadas e 33 líderes certificados.
Tenho a convicção de que educação é a base para tudo, pois o conhecimento amplia repertório e abre infinitas possibilidades. Manter uma atitude de aprendiz ao longo da vida, com mentalidade de desenvolvimento contínuo e independentemente de idade ou posição, é investimento com retorno certo. Hoje mais do que nunca, visto que estamos assistindo à passagem, em tempo real, de estágios cada vez mais conectados da sociedade, com a tecnologia tomando formas que nem sequer se imaginava há 20 ou mesmo 30 anos. Nenhum grau de especialização nos tornará suficientemente especialistas daqui por diante: o conhecimento de ponta de hoje será história antiga um ano à frente. Aprender todos os dias será a norma.
As mulheres têm essa disposição de estar sempre com a atenção voltada ao aprendizado. Um indicador disso é a presença maior de mulheres em cursos universitários no Brasil. Dados do IBGE, ainda referentes a 2019, mostram que, entre mulheres de 25 a 34 anos, 25,1% tinham nível superior, contra 18,3% dos homens. Entre as mulheres de 55 a 64 anos, 15,5% tinham nível superior, contra 13% dos homens. Os homens são maioria nos cursos voltados à ciência e tecnologia, mas o avanço de meninas no chamado STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) deve, no mínimo, reduzi um pouco esse desnível em alguns anos.
A chegada dos padrões ESG (sigla em inglês para Ambiente, Sociedade e Governança) farão com que o mercado abra espaço para mulheres, não só em cargos de liderança e em conselhos de administração, mas no mercado de trabalho de forma geral. Ações efetivas na busca pela equidade de gênero e pelo desenvolvimento humano em geral, se queremos ver avanços qualitativos na vida em sociedade, são e serão cada vez mais essenciais. É urgente que grandes companhias estabeleçam políticas sólidas de governança para promover oportunidades e crescimento profissional para todos. Com ações assertivas, estou certa de que a minha será apenas mais uma entre inúmeras histórias de sucesso e superação.