Educação corporativa pode ser ferramenta de transformação social
Josane Julião
Reitora da Hamburger University na América Latina
O mercado de trabalho tem mudado rapidamente. Tendências como a digitalização das relações sociais, acelerada pela pandemia, e a crescente consciência socioambiental dos consumidores apontam para um futuro cada vez mais dinâmico no universo corporativo. De certa forma, nossa única certeza é a incerteza: conhecimentos ou modelos de negócio hoje eficientes podem se tornar obsoletos em poucos anos, o que tornou obrigatório a qualquer profissional ou empresa ter capacidade de se adaptar depressa.
Isso deve provocar uma mudança também na maneira como encaramos a relação entre educação e mercado de trabalho. Consequentemente, é tempo de repensar o campo do ensino corporativo.
Tradicionalmente, nos acostumamos a conceber a educação como uma etapa anterior ao ingresso do indivíduo no mercado de trabalho. Essa é uma visão cada vez mais obsoleta, por pelo menos dois motivos.
O primeiro deles, mais visível, é o fato de que hoje temos vários cursos técnicos e profissionalizantes voltados a integrar o aluno ao mercado de trabalho desde o primeiro momento. Na dimensão prática, o “aprender fazendo”, ganha protagonismo no processo de aprendizagem.
Mas há uma segunda tendência ainda mais interessante: os empregadores têm percebido cada vez mais seu papel fundamental na capacitação de profissionais ou até mesmo como promotores de ações educativas nas comunidades que impactam. Se a economia deste século, mais dinâmica e digital, exige constantes transformações, então as corporações devem se tornar, elas mesmas, espaços de aprendizagem e formação continuada.
Essa é uma percepção em sintonia com a chamada agenda ESG, sigla que resume compromissos ambientais, sociais e de governança corporativa (environmental, social e governance, em inglês).
No centro da agenda ESG está a ideia de que as instituições devem assumir uma postura ativa diante dos problemas de suas comunidades. As defasagens do sistema público de ensino, a falta de mão de obra qualificada em algumas áreas ou, ainda, a necessidade de formação continuada são alguns desses problemas. Esse é um compromisso a ser assumido especialmente pelas companhias que empregam majoritariamente colaboradores jovens, no início, portanto, de sua trajetória acadêmica e profissional.
Há muitas maneiras de organizar um programa de educação corporativa, e boa parte das empresas de pequeno e médio porte já promove ações de treinamento para seus colaboradores, por exemplo. Há também aquelas que investem em extensão – cursos técnicos, de idiomas ou de pós-graduação – em parceria com instituições educativas. Nesse formato, as companhias arcam parcial ou integralmente com os custos dessa formação adicional.
Uma tendência crescente é o investimento nas chamadas soft skills, isto é, nas habilidades comportamentais dos colaboradores, não diretamente ligadas a conhecimentos técnicos, mas a tópicos como inteligência emocional, trabalho em equipe e liderança. Entram aqui as atividades e materiais pedagógicos que abordam temas como diversidade, racismo, gênero, machismo, vieses inconscientes, linguagem não agressiva e tantos outros, essenciais para uma cultura corporativa de inclusão.
Ocorre que, com a proliferação de ferramentas de ensino a distância, um universo de possibilidades foi aberto para que as instituições ampliem ainda mais o escopo das suas ações em educação corporativa. Por um lado, é possível atingir um número muito maior de colaboradores sem a necessidade, por exemplo, de uma enorme estrutura física. Por outro, as ferramentas digitais também facilitam levar esses conhecimentos para além do grupo restrito de colaboradores.
A empresa pode decidir que alguns de seus cursos, palestras e materiais podem ser oferecidos aos familiares de funcionários ou a quaisquer outros interessados. É uma maneira de transformar a educação corporativa em uma ferramenta abrangente de transformação social.
Especialmente durante a pandemia, vimos a importância de ações desse tipo, que permitiram a vários profissionais, nos meses de isolamento, realizar algum tipo de reciclagem, buscando um reposicionamento no mercado de trabalho. Ganha a sociedade como um todo e ganham as próprias empresas, que ajudam a fomentar novos talentos em suas próprias comunidades.
Há, portanto, uma série de caminhos para o crescimento dos programas educativos no interior das companhias, especialmente com a ajuda da tecnologia digital. O fundamental é perceber que, no mercado atual, tão dinâmico e desafiador, a educação corporativa vai muito além da oferta esporádica de cursos para os colaboradores. Quando bem estruturado, em sinergia com um conjunto sólido de valores, um programa de educação corporativa pode ser parte indispensável da estratégia de negócio para atingir seus objetivos sociais.